MEDIÇÕES EM CABOS COAXIAIS
REFLETOMETRIA NO DOMÍNIO DO TEMPO
rev. 07-07-2015
Por PY4ZBZ
Mostrarei a seguir duas formas de medir a impedância característica Z0 de um cabo coaxial.
Parte 1
- A primeira é baseada no fato de que a impedância característica de uma linha de transmissão é igual a sua impedância de entrada, se a linha tiver um comprimento infinito. Neste caso, o gerador nunca vai "enxergar" o final da linha, que pode estar em curto ou aberta, ou com qualquer carga, não importa. O gerador portanto somente vai alimentar eternamente a impedância característica da linha, pois a sua energia nunca chega ao final da linha , onde estaria realmente a carga. Portanto, o gerador tem como carga a impedância característica da linha de transmissão.
Como na pratica não existe linha com comprimento infinito, resolvemos o problema aplicando à linha de comprimento finito L um pulso de duração d mais curta que o tempo que este leva para chegar ao fim da linha. Portanto, durante a existência (duração) do pulso no gerador, o final da linha não é atingido, e o gerador "acha" que está ligado a uma linha infinita. Mas isto é verdade somente neste intervalo de tempo menor que o tempo para chegar ao final da linha. Estudaremos depois (parte 2) o que acontece quando o sinal chega ao final da linha, em refletometria no domínio do tempo.
A figura seguinte mostra a montagem utilizada. Observe o osciloscópio ligado ao gerador através de cabo muito curto, afim de poder visualizar e medir corretamente a tensão do gerador:
O pulso de menor duração que consegui com o gerador de funções Hewlett-Packard modelo 3312A, é da ordem de 25 ns (nanosegundos), como pode ser visto na figura 1, que mostra o pulso gerado em circuito aberto, e com E = 2V. Sabemos que o tempo tp que a corrente elétrica leva para percorrer um comprimento L de cabo é igual ao comprimento do cabo dividido pela velocidade de propagação Vp neste cabo: tp = L/Vp. O cabo usado no teste é um RG058, cuja Vp é 66,7% da velocidade da luz, ou seja , 200000 km/s.
Deduzimos que para o pulso de 25 ns, o cabo devera ter um comprimento maior que:
L = d Vp = 25 x 10E-9 x 2 x 10E+8 = 5 metros.
Foi usado um cabo de 55 metros, no qual o tempo de propagação da corrente de inicio ao final do cabo seria de :
55 / 2e+8 = 275 ns.
O principio da medição simplesmente é baseado na medição da força eletromotriz E do gerador (em circuito aberto) e da tensão V do gerador quando este está ligado à uma carga R. Aplicando a lei de Ohm, temos que:
V = E R / (Ri + R)
onde Ri é a resistência interna do gerador (no caso do 3312A, Ri = 50 ohms). Podemos deduzir que
R = Ri V / (E-V)
Por exemplo, ligamos um resistor de 75 ohms ao gerador. A figura 2 mostra que a tensão V do gerador agora é de 1,2 V. O valor de E (figura 1) é de 2 V. Usando a formula anterior, temos R = 50x1,2/(2-1,2) = 75 ohms.
Ligamos então o cabo no lugar do resistor. Observamos na figura 3 que a tensão V do gerador agora é de 1 Volt.
Calculamos R = 50x1/(2-1) = 50 ohms, que é a impedância característica deste cabo RG058.
A figura 4 mostra a tensão no gerador quando se liga nele um capacitor; a figura 5, quando se liga um indutor, e a figura 6 quando se liga o gerador a um circuito LC paralelo ou serie.
Observe que nestes casos o pulso é deformado. No caso do capacitor, o pulso é alongado de forma exponencial, pois o pulso do gerador, que carrega o capacitor, é seguido da descarga deste capacitor, com a mesma polaridade de tensão. O capacitor se descarrega na resistência interna do gerador.
No caso do indutor, aparece um pulso negativo com queda exponencial, após o pulso do gerador, que corresponde a energia devolvida pelo indutor e que tem polaridade de tensão invertida (lei de Lentz).
O circuito LC proporciona, como era de se esperar, uma descarga oscilante amortecida. Nos três casos, TODA (desprezando-se as perdas) a energia do pulso do gerador foi devolvida ao gerador, pois circuitos L e C são elementos conservativos de energia, ou seja, não dissipam energia, mas a armazenam para depois devolvê-la, conservando-a.
Somente quando ligamos um resistor, a forma do pulso não é alterada, apenas a sua altura (tensão), o que comprova que o resistor não devolve energia ao gerador, pois o resistor é um elemento dissipativo, ou seja, o resistor dissipa toda a energia recebida do gerador (sob forma de calor, lei de Joule). Com isso comprovamos um fato muito importante: a impedância característica do cabo é RESISTIVA (e não indutiva ou capacitiva). Teoricamente, a impedância característica de uma linha de transmissão é dada pela formula seguinte:
Onde L é a indutância serie, R a resistência serie, C a capacidade paralela e G a condutância paralela, todos por unidade de comprimento dz, veja figura7:
Se a linha não tiver perdas, ou melhor, perdas desprezíveis, então os termos R e G serão extremamente pequenos em relação as reatâncias indutivas e capacitivas da linha. A formula da impedância característica da linha fica simplificada, como mostrado a seguir, o que comprova mais uma vez a natureza RESISTIVA desta impedância. (não tem termos com j)
Por exemplo, o cabo RG058 tem C = 101 pF/m e L = 252,5 nH/m, donde Z0 = 50 ohms.
Parte 2
REFLETOMETRIA NO DOMÍNIO DO TEMPO
- A segunda forma de medir a impedância característica do cabo é baseada no seguinte fato:
A impedância característica de uma linha de transmissão é o valor da carga, que colocada no final desta linha, não reflete nenhuma energia. Ou em outras palavras, é o valor da carga que proporciona um coeficiente de reflexão zero, ou ainda, uma relação de onda estacionária igual a um, como mostraremos depois.
A figura 3 anterior mostra a tensão do gerador ligado ao cabo de 55 metros, mas apenas durante um tempo de 500 ns apos o pulso. A figura 8 seguinte é a mesma , mas mostrando agora até 800 ns apos o pulso. Notamos que aparece um segundo pulso que não existe quando o gerador está em circuito aberto, portanto este pulso não é gerado pelo gerador. Isto pode ser visto também na primeira imagem deste artigo, que mostra a montagem usada.
Este pulso nada mais é que o pulso gerado na origem pelo gerador e que, ao chegar ao final da linha aberta, apos 275 ns, é totalmente refletido por não haver onde dissipar-se, e portanto chegando de volta ao gerador, apos mais 275 ns.
O tempo de ida mais o tempo de volta do pulso é 2x275 = 550 ns. Observamos que o pulso chega de volta ao gerador, mas com a sua amplitude diminuída pelas perdas no cabo. Podemos até calcular esta perda: o pulso entra com 1 volt e retorna com 0,6V. A perda em dB é 20 log (1/0,6) = 4.4 dB. Esta perda corresponde a duas vezes a perda do cabo, pois o pulso o percorreu duas vezes, ida e volta. Portanto, a perda ou atenuação deste cabo é de 2,2dB. Como este pulso tem uma freqüência fundamental da ordem de 1/2x40 ns = 12,5 MHz, concluímos que este cabo tem uma atenuação de 2,2 dB em 12,5 MHz. O fabricante informa 9 dB/100m em 30 MHz, o que daria :
9 x (55 / 100) x (12,5 / 30) = 2,1 dB.
Este é o principio da refletometria no domínio do tempo: enviamos um pulso de curtíssima duração, e observamos com ele é refletido. Este processo permite medir pelo menos três parâmetros do cabo:
1 - A relação de amplitude do pulso refletido pelo pulso incidente, com a linha aberta ou em curto circuito, permite medir a atenuação desta linha.
2 - O tempo total levado pelo pulso para retornar ao gerador permite medir o comprimento L do cabo, desde que se conheça a sua velocidade de propagação Vp, : o comprimento L = Vp Tp / 2.
3 - Ligando uma carga variável ao final da linha, e ajustando-a até que não haja mais pulso refletido, a medição do valor desta carga nos fornece a impedância característica do cabo ou linha. A figura 9 mostra esta situação, quando o cabo foi terminado com um resistor de 50 ohms :
A figura 10 mostra como o pulso é refletido quando a linha está com o seu final em curto-circuito. Observamos que o pulso é novamente refletido, mas com amplitude invertida. Como não pode existir tensão num curto-circuito, o pulso incidente, ao chegar no curto, cria outro pulso (o refletido) de amplitude igual e de polaridade invertida, de tal forma que a soma dos dois é zero no ponto do curto-circuito.
Podemos agora definir o coeficiente de reflexão de tensão r (ou RHO) : é o quociente da tensão refletida pela tensão incidente , no ponto considerado:
Por exemplo, no final de uma linha:
aberta: r = 1.
em curto: r = -1.
terminada com uma carga igual a sua impedância característica: r = 0.
O coeficiente de reflexão RHO de tensão pode ser calculado, em função das impedâncias da carga Za e da linha Zo:
Normalmente, a impedância característica da linha é resistiva, Zo = Ro, simplificando a formula de RHO:
A relação entre o coeficiente de reflexão de tensão ou corrente e a relação de onda estacionaria ROE, de tensão ou corrente, SWR (Standing Waves Ratio) é:
Afigura seguinte mostra a relação entre ROE e coeficiente de reflexão de tensão:
Se a reatância Xa da carga for nula, ou seja, se a carga for resistiva, as duas formulas anteriores ficam ainda mais simples:
|r| = (Za-Zo) / (Za+Zo) e SWR = Za / Zo ou SWR = Zo / Za, o que for maior.
A relação de onda estacionaria pode ser medida em regime senoidal e equivale a relação entre o máximo Vmax e o mínimo Vmin de tensão presentes na linha:
Os máximos de tensão ocorrem em pontos da linha onde a tensão incidente está em fase com a tensão refletida, e os mínimos onde estas duas tensões estão em oposição de fase. Como as duas tensões, incidente e refletida, circulam em sentidos opostos e com a mesma velocidade Vp, a resultante é uma onda parada ou estacionaria.
O calculador seguinte permite calcular parâmetros como r e SWR (ou ROE) em função de Ra, Xa e Ro (veja formulas anteriores). Permite verificar o efeito da perda (ou atenuação) do cabo sobre a SWR, que é sempre melhor do lado do gerador do que do lado da carga ! (quando a perda do cabo não é desprezível), porque a potencia refletida que chega de volta ao gerador sofreu duas vezes a atenuação do cabo: na ida e na volta . Permite também verificar as potencias envolvidas:
Se Za > Zo, o coeficiente de reflexão de tensão r é positivo. Com Za < Zo, o coeficiente de reflexão de tensão r é negativo.
O coeficiente de reflexão de potencia é sempre positivo e é igual ao produto do coeficiente de reflexão de tensão pelo coeficiente de reflexão de corrente (que sempre são iguais numericamente e tem sinais opostos) .
Observe que se a carga for uma antena, a potencia efetivamente irradiada será igual ao valor de "potencia dissipada na carga" multiplicado pela eficiência da antena, que é sempre menor que 1 ou 100% !
A atenuação do retorno (return loss, RL) e a perda por descasamento (missmatch loss, ML) são dados bastante usados para especificar indiretamente a impedância de carga, em aplicações profissionais.
A atenuação do retorno indica quantos dB a potencia refletida esta abaixo da potencia incidente. Vale: RL= -10log(rP) ou RL= -20log(|r|).
A perda por descasamento indica quantos dB a potencia dissipada na carga está abaixo da potencia incidente, ou seja, abaixo da potencia que ela poderia dissipar se estivesse casada com a impedância característica do cabo. Vale : ML= 10log(1- rP).
Esses dois parâmetros só devem ser usados quando o gerador (transmissor) tem impedância interna igual (ou casada com) a impedância característica do cabo, como acontece em todo projeto profissional de telecomunicações, ou seja, sem o uso de acoplador entre transmissor e cabo.
Veja em arquivos um simulador de onda estacionaria RZ3.